segunda-feira, 2 de abril de 2012

Ikiru


Era apenas um homem. Um homem comum. Parecia ser um bom homem, honesto e trabalhador. Por quase trinta anos praticamente só trabalhou. Trabalhava religiosamente e em todo esse tempo não teve um dia de folga sequer. Trabalhava, trabalhava e trabalhava.
Viúvo desde muito cedo e com um filho pequeno, dedicou a vida para, a seu modo, cuidar do menino, pensando em garantir o seu futuro. Trabalhava, trabalhava e trabalhava.
Vivia… mas não vivia. Os pulmões respiravam, o coração batia, o sangue circulava… mas não havia vida. Não sabia quem era, o que fazia e o porquê fazia. Não conhecia suas necessidades. Desconhecia seus desejos mais íntimos. Até que um dia começou a despertar.
Primeiro veio o leve incomodo, que não tardou a transformar-se em dor. Depois vieram as náuseas, a falta de apetite, os vômitos. Por fim, veio o choque: câncer gástrico!
Com a sentença de morte decretada, em um tempo no qual não existiam muitos tratamentos, instalaram-se a raiva, o medo, a revolta, a tristeza, a vergonha e… a culpa. Primeiro culpou a vida, depois o trabalho, o filho que não lhe dava atenção após anos de dedicação e por aí foi. Sentia-se incompreendido e solitário. Até que, com a ajuda pouco intencional de uma garotinha muito viva, se olhou.
Foi quando finalmente percebeu a sua própria culpa. Não pela doença, é claro, mas por tudo o que foi sua vida. Percebeu que sempre teve nas mãos a possibilidade de definir suas prioridades e seus caminhos, a liberdade para fazer as próprias escolhas, a opção de criar e rever suas expectativas.  “Relativou-se” a culpa. Seu foco mudou, suas perspectivas ampliaram-se e tudo ficou claro. Assim, de repente, iluminou-se. E mesmo restando-lhe muito pouco tempo, viveu intensamente e fez a diferença.
Este é somente parte do enredo de um filme, Viver (Ikiru), de Akira Kurosawa, sob a minha percepção. Mas quantas vezes já vimos “esse filme”? Talvez, com diferentes nuances, mas sempre o mesmo fundo.
Quando nos deparamos com obstáculos difíceis de enfrentar temos a tendência natural de buscar culpados, buscar razões. Queremos fugir da situação na qual, muitas vezes, nós mesmos nos colocamos. Durante um tempo, variável para cada um, damos voltas e voltas em torno do problema, sem conseguirmos olhar. Perdemos os olhos de ver…
Quantas vezes, quando nossos planos e projetos não saem exatamente como queremos, procuramos culpados para nossos fracassos? E mesmo quando conseguimos assumir nossas responsabilidades, somos dominados pela culpa do erro… Sentimo-nos pouco capazes…
Projetamos nossas culpas no outro quando ela é insuportável demais, pesada demais… culpa moral, religiosa, penal, criminal, profissional, familiar… quanta culpa! Difícil explicar… Terrível sentir!
E já reparou na importância da culpa para nossos atos do dia a dia? Pautamos inúmeras decisões no sentir ou não culpa e, inevitavelmente, sempre nos culpamos. Usamos a culpa para educar nossos filhos: “Eu não acredito que você vai deixar toda essa comida no prato enquanto crianças na Etiópia morrem de fome!!!!” E o pobrezinho, aos cinco anos, nem faz idéia do que seja a Etiópia!
Mantemos situações e relacionamentos capengas indefinidamente para não termos que conviver com a culpa do fim e carregamos a culpa pela falta de coragem de agir. Outras vezes assumimos culpas alheias para proteger aqueles que amamos e com quem nos preocupamos.
Porém, a mesma culpa que muitas vezes nos castiga é a que nos move. É aquela que nos tira da zona de conforto do nosso comodismo. É aquela que nos lembra de que, para vivermos bem com os demais, não podemos fazer ou dizer tudo o que queremos.
Não necessitamos de situações extremas, como a exemplificada no filme, para assumirmos a atitude de responsabilidade por nossos atos e nossas escolhas. A culpa nem sempre vem para nos atrapalhar! Para isso precisamos ter olhos de ver e coração de sentir! Mudar a perspectiva do olhar e poder compreender nossa própria história por um novo prisma, por um novo entendimento.

              From: http://www.youtube.com/watch?v=Lc4y-asVh3c

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