sábado, 25 de junho de 2011

A velha Piratininga

                                             Arquivo Folha de São Paulo

Durante vários dias fiquei pensando sobre o que escrever em uma crônica de viagem. Viajei muito pouco até hoje, poucas viagens foram por lazer, a maioria teve alguma motivação “funcional”, era essencial que houvesse uma razão e uma necessidade concreta. Tinha que ser uma obrigação, não podia ser simplesmente diversão.
No último final de semana, estava eu sentada ao fundo da belíssima sala de concertos da Sala São Paulo, em minha primeira visita ao local, dividida entre apreciar a música, admirar a incrível arquitetura e pensar sobre o que eu poderia escrever. Para quem ainda não conhece, a Sala São Paulo é a sede oficial da Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo, ou simplesmente OSESP; construída no prédio que outrora pertenceu à Estrada de Ferro Sorocabana. Imagine, então, que além de apreciar a música, admirar a estrutura e pensar no meu texto eu ainda me questionava sobre como foi possível transformar o hall de uma antiga estação de trens em uma câmara acústica perfeita e ainda por cima respeitando muito de seu projeto arquitetônico original! E eu estava em São Paulo, Brasil!
E, repentinamente, em meio aos meus devaneios e à minha incapacidade em focar minha atenção em somente uma das tarefas percebi que o lugar para onde mais viajei na vida foi São Paulo! E mais, continuo meio turista por aqui!
É, eu sei, isso deveria ser uma crônica de viagem... Por que então escrever sobre o lugar onde vivo? Porque houve um tempo em que São Paulo foi o meu principal destino nas férias escolares. Não me lembro de amar tanto essa cidade como nessa época. E olha que eu ainda nem entendia direito o poder inefável de seus antagonismos! Mas esperava, inquietantemente pelas desejadas férias em São Paulo. Ansiava por este lugar!
Só de pensar na viagem já podia me lembrar do cheiro da casa da minha avó, do sabor delicioso da comida inigualável de Dona Naná, do aconchego da companhia dos primos e da cumplicidade incondicional da amizade de minha prima mais velha, companheira inseparável de minhas aventuras pela cidade, quase sempre escondidas dos meus pais e tios!
Mas o meu maior objeto de desejo, a maior fascinação, era a Avenida Paulista! A aventura já começava nos planejamentos para chegar à tão aspirada avenida. Normalmente era mais ou menos assim: meu tio nos levava, eu e minha prima, até a porta do Shopping Center Norte e marcava o horário para nos buscar. Esperávamos um pouquinho, até seu carro sumir de nossas vistas e lá íamos nós correndo para o ponto de ônibus. Ônibus, Estação Santana do Metrô, Estação Paraíso, uma caminhadinha pela Bernardino de Campos e, finalmente, Avenida Paulista!!! Inteirinha, de ponta a ponta, só para nós!
Nada nos dava mais prazer do que caminhar na Paulista todinha, da Vergueiro à Consolação; leves, despreocupadas, sem pressa (a não ser pelo horário previamente marcado com meu tio) e ávidas por olhar os bonitos rapazes engravatados. Naquela época só olhávamos mesmo e ainda ficávamos felizes!
Mas sabe o que mais me impressionava e impressiona até hoje? A convivência anacrônica dos modernos edifícios de arquitetura arrojada com os imponentes e antigos casarões e palacetes que, de algum modo, tentam resgatar a memória da outrora charmosa avenida projetada por Joaquim Eugênio de Lima, que hoje nomeia uma de suas alamedas, para ser uma espécie de bulevar; a primeira avenida asfaltada da antiga Piratininga, fundada pouco mais de 300 anos antes pelos jesuítas Manuel da Nóbrega e José de Anchieta com a edificação da primeira construção de São Paulo no famoso Pateo do Collegio.
Mas havia um lugar que chamava a minha atenção em especial: a mansão dos Matarazzo, na esquina com a Pamplona. Construída em 1886  num terreno de doze mil metros quadrados pelos arquitetos italianos Marcello Piacentini e Vittorio Morpurgo, a Villa Matarazzo pertencia ao comerciante e industrial Conde Francesco Matarazzo, um dos grandes responsáveis pelo desenvolvimento de São Paulo.
Porém, para mim, nenhum desses detalhes históricos interessava, somente a admiração, o espanto e a imensa curiosidade que o casarão me causava. Eu era louca para entrar naquela casa, saber como eram o chão, as paredes, os quartos, os banheiros, enfim, seus cômodos, seu jardim e tudo!
Acompanhei com ansiedade o imbróglio entre a prefeitura de São Paulo e os herdeiros, torci fervorosamente para que seu tombamento como Patrimônio Histórico  fosse mantido, para que realmente fosse transformada em museu e eu finalmente pudesse entrar. Chorei quando parte da casa ruiu com a força das chuvas torrenciais de janeiro de 1996, após seu porão ter sido dinamitado e sua estrutura comprometida. Sofri com sua demolição e me revoltei por seu terreno ter se transformado em mero estacionamento. Mas, anos depois, estacionei muitas vezes ali, imaginando em que cômodo eu estaria!
Hoje, que vivo em São Paulo, não caminho mais tão frequentemente pela tão amada avenida, mas continuo apaixonada por ela. É que, atualmente, tenho a urgência de saber mais sobre a cidade e de passear em lugares inéditos! No próximo domingo será minha estréia no Teatro Municipal, recém reinaugurado! Na platéia, lógico!
Agora, mesmo sem a minha antiga companheira de aventuras paulistanas, aproveito meu tempo livre para visitar outros lugares da cidade ainda desconhecidos e fortalecer minhas raízes antes da minha primeira viagem internacional de puro deleite, que será para a Escandinávia. Talvez seja a necessidade de fortalecer as origens e possuir a segurança de saber que tenho para onde voltar!
Apesar de conhecer todos os “contras” da cidade, como a violência, a poluição (que anda um horror neste inverno!), o trânsito complicadíssimo, o clima mega instável e os altos custos de hospedagem, transporte e alimentação; ainda acho que São Paulo é um ótimo lugar para se conhecer. A vida cultural fervilha, há gastronomia para todo e qualquer gosto, existem bairros que retratam diversos lugares do mundo e a história palpita nos mais variados locais.
Vale pela experiência meio antropológica, quase antropofágica!

                        From: http://www.youtube.com/watch?v=46JlIwYv5LY

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