segunda-feira, 31 de outubro de 2016

O que você vai ser quando crescer?



A provocação estava lá, na timeline de uma amiga querida: “O que você deixou de ser quando cresceu? ”
A princípio achei que nem tinha ligado, era só mais uma dessas frases prontas que brotam nas redes sociais, mas eis que a pergunta não desgrudou mais dos meus pensamentos e devagar, bem devagarinho, fiquei inundada de lembranças...
Lembrei-me do meu primeiro rádio gravador, ganhado em um Natal que passamos na praia. Nem me recordo quantos anos eu tinha, mas sei perfeitamente que, a julgar pelas dificuldades que passamos na época, deve ter sido comprado com um tanto de sacrifício por parte da minha mãe. E, com certeza, o presente foi dado porque uma das coisas que eu deixei de ser, para a alegria da geral, foi cantora. Eu e minha prima, que ganhou o mesmo presente na mesma data e mesmo local. Não sabia direito se seríamos uma dupla ou se teríamos uma banda e muito menos que tipo de música cantaríamos, mas era certo que seríamos cantoras. E juntas. Porém, quis o destino que eu me mudasse de cidade e tudo acabou!
Mais tarde, já morando no interior, tive a minha fase de coreógrafa. Juntava a meninada da rua, inventava as danças, ensaiava todo mundo por semanas a fio e um belo dia apresentávamos o espetáculo, que na maioria das vezes tinha uma música só, para nossos pais na sala de casa. Com esse público tão seleto, os aplausos eram sempre certos! Mas aos poucos fui perdendo o interesse das bailarinas e mais uma carreira promissora se encerrou.
Também tive minha fase empreendedora, apesar de nem saber que essa palavra existia na época. Fazia “jujus” na cozinha de casa e saia com meu irmão e alguns amigos para vender na rua. Para quem nunca ouvir falar em juju, nada mais é do que o popular gelinho. O negócio acabou no dia em que tivemos que correr muito, mas muito mesmo, de um cliente um tanto quanto azedo. Esquecemos de adoçar os jujus de limão...
Daí chegou o ginásio, menos tempo para aprontar e mais tempo dedicado ao colégio. Por sorte, tive uma professora de educação artística sensacional e quando vi lá estava eu em minha nova empreitada: roteirista e diretora de peças teatrais para a escola! Chegamos até a nos apresentar na famosa Semana de Cultura e Arte da cidade. Um sucesso! Gostei tanto da brincadeira que acabei indo parar no grupo de teatro da cidade e estreei minha fugaz carreira de atriz, que durou até o início do colegial, quando deixei de ser tudo para ser somente uma desesperada aluna pré-vestibular.
Nessa época pensava em ser muitas coisas... mas quando pensava nas possíveis profissões a escolher, tinha uma que há muito me acompanhava. Eu queria ser médica. E questionei muitas vezes se era esse um desejo de fato real ou se seria porque é legal isso de você dizer e saber desde criança que quer ser qualquer coisa. E eu imagino exatamente de onde veio essa história: do consultório do Dr. Armando, que atendia numa portinha simples da zona norte de São Paulo. Era o médico da minha família.
Dr. Armando era um senhorzinho amoroso, de olhar doce e cabeça branca. Foi a primeira pessoa a nos dar o mundo! Presenteou a mim e a meu irmão mais velho com o nosso primeiro Atlas Mundi. Encheu nossos dias de aventuras e viagens sem fronteiras por muito tempo! Tínhamos o mundo em nossas mãos. Era muito poder!

Hoje, olhando para trás, não sei se sou ou se deixei de ser a médica que eu queria ser, mas sou, com certeza, muito mais do que um dia imaginei. E sabe por que? Porque hoje sou mãe. Sou muito mãe! E que mãe não acaba sendo um pouco cantora, coreógrafa, roteirista, diretora, atriz, médica, enfermeira, cozinheira, professora, mágica, feiticeira (às vezes bruxa) e tantas outras mais?

sexta-feira, 14 de junho de 2013

Uma postagem não habitual...

Quando idealizei este blog há algum tempo atrás, não cogitava a possibilidade de escrever sobre assuntos polêmicos, como política, por exemplo. Minha idéia inicial era ter um espaço onde eu pudesse simplesmente deixar fluir a criatividade e o desejo de voltar a escrever alguma coisa leve e descontraída. Não que eu não me interesse pelo assunto, mas o que queria mesmo era uma rota de fuga dos dramas cotidianos.
No entanto, não consegui não me manifestar frente a tudo que leio e vejo sobre as manifestações ocorridas em São Paulo nas últimas semanas. Não pretendo discutir aqui, especificamente, o aumento do custo do transporte público, mas tudo aquilo que realmente tem me ocorrido quando penso sobre o assunto.
Nunca fui contra protestos e manifestações, tampouco consigo achar negativo o fato de diferentes pessoas com diferentes estilos e modos de viver organizarem-se por uma causa, muito pelo contrário, acho de grande valia e cada vez mais necessário. Entretanto, sou contra atos que incitem a violência, seja por parte dos manifestantes ou do Estado, assim como sou contra o tratamento vil que a imprensa, de um modo geral, está dispensando à questão. Mas o que seria a maior violência, neste caso?
Pensando especificamente nessa questão propagada aos quatro ventos pela mídia - a violência -, passei a me questionar sobre o que estamos considerando, de fato, violência.
É muito fácil identificar como violentos atos nos quais há destruição física e material, seja de coisas ou pessoas. No entanto, quando penso em tudo a que estamos expostos todos os dias, não consigo me ater somente à essa violência explicita exibida todos os dias à exaustão. Quando penso em violências, as que mais me assustam são as que nos passam despercebidas, as que não nos chocam mais por estarem invisíveis ao nosso olhar.
O Estado não é violento somente quando reprime as manifestações, mas quando expõe a população a tanta falta. Violência, na minha opinião, é não ter comida no prato, é não ter o que vestir ou onde morar, é ter que esperar por mais de seis meses para conseguir uma consulta médica de 10 minutos (sendo bem otimista!) ou para fazer um exame que definirá a sua vida. É ficar amontoado nos corredores de hospitais como coisas ou ser reanimado no chão da sala de emergência por falta de macas ou leitos. É passar horas na fila da "farmácia do governo" pra ouvir que o remédio acabou. É não ter o mínimo acesso a uma educação decente e de qualidade e ser privado de cultura e lazer. É não poder andar tranqüilamente pelas ruas de sua cidade e achar normal ter medo de tudo e todos o tempo todo. É sentir-se desrespeitado todos os dias como cidadão, ouvindo propagandas enganosas na TV dizendo que o Governo dá remédio ou qualquer outra coisa "de graça" depois de trabalhar quase meio ano somente para pagar impostos. É receber esmola disfarçada com a desculpa de acabar com a pobreza sem receber as reais condições básicas necessárias para crescer, dentre tantas outras coisas. Somos brutalmente violentados diariamente e já não nos importamos.
O pior é saber que essas são as violências para as quais todos nós contribuímos, pelas quais somos todos responsáveis quando desperdiçamos nossos votos, quando fechamos os olhos para todos os deslizes dos nossos governantes, sejam eles de que partido ou ideologia forem; quando não nos organizamos nessas mesmas manifestações para exigir transparência e respeito, quando não fiscalizamos as contas publicas para as quais todos contribuímos, quando aceitamos passivamente o aumento dos salários dos cargos políticos e a redução do salário dos trabalhadores (como aconteceu com os professores de Juazeiro, por exemplo); enfim, quando abdicamos da nossa condição de cidadãos.
Quem saberia me dizer exatamente, mas exatamente mesmo, qual o montante arrecadado pelo governo (seja Municipal, Estadual ou Federal) em impostos? E como, exatamente, esse dinheiro é distribuído e gasto? E mais, quem arriscaria o próprio pescoço defendendo que os dados e informações que recebemos do governo hoje são totalmente fidedignos?
Confesso que eu mesma não tenho o hábito de buscar tais informações e reconheço que poderia ao menos tentar fazer a minha parte. Mas também me irrito profundamente com as pessoas que fingem que fazem, que se julgam mais politizadas que todas as demais e perdem seu tempo (e o meu!) defendendo partidos políticos que há muito deixaram de ser o que (ao menos acreditamos) foram um dia e não percebem que hoje são exatamente iguais na defesa dos próprios interesses e na não valorização dos interesses coletivos da população.
         Não importa qual partido político esteja no poder, a obrigação de um governante com seu povo não pode mudar com a mudança de partido, tem que ser sempre a mesma: garantir os direitos explícitos em nossa Constituição! Não quero um governo que lute pela defesa das ideologias de seu partido, mas um que garanta para a população as condições mínimas para se viver dignamente com  saúde, segurança, transporte, habitação, educação e comida na mesa!

domingo, 31 de março de 2013

Aconteceu em Kairós


                                                                            Fotografia: Polianna Souza
No princípio dos tempos Kairós era assim: uma cidade feia, escura, fria e sem vida. Tudo era cinza, as casas, os jardins, os templos, as pessoas, tudo. Não havia som, fazia um silêncio assustador. As pessoas não conversavam, não saiam de suas casas, não conheciam as ruas, não se conheciam. Era tudo um imenso vazio e não se podia notar o tempo passar. Não havia outro ruído que não o do vento interior que soprava de tempos em tempos. Ventava muito naquele tempo e o vento fazia erguer uma estranha poeira cinzenta, deixando tudo encoberto por uma névoa de desconcertantes incertezas. Não fosse pela secreta angústia que todos silenciosamente carregavam, reinariam absolutas a indiferença e a apatia. Parecia uma cidade deserta e perdida.
Porém um dia, sem qualquer explicação, da velha, descuidada e praticamente morta árvore do largo central surgiu um pequeno e desconhecido broto de um verde escuro forte e imponente. Foi crescendo rapidamente dia após dia, como a desafiar a escuridão e o vento poeirento. Era uma nova e transformadora árvore! Dela brotaram flores das mais diversas cores e odores. O aroma suave e estranho àquela população invadiu as casas e despertou algo até então desconhecido naquele lugar: a curiosidade! De onde viria aquele perfume? Quem o haveria provocado? Por quê?
Pouco a pouco as pessoas começaram a sair desconfiadas de suas casas e qual não foi a surpresa geral ao perceberem que o vento já não tinha tanta força e a densa nuvem de cinzas e poeira dissipava-se lentamente. Já era possível observar alguns pontos azulados no céu e sentir o calor da luz do sol, há tanto tempo esquecido, adentrando pouco a pouco.
Os habitantes olhavam-se pela primeira vez com interesse e inquietação, deixando emergir um intenso desejo de ver, ouvir e conhecer o outro. Descobriram suas vozes que, de tanto tempo mudas, urgiam em se revelar! Sentiam-se em plena revolução, antes mesmo de perceberem a profundura das mudanças. 
Chegando ao paço central puderam ver a bela e frondosa árvore que, a essa altura, ocupava desmedido espaço, coberta por incontável diversidade de flores e frutos, muitos já espalhados pelo chão. Não tardaram a notar que assim que um fruto caia ao chão uma nova árvore aparecia e trataram de carregar muitos frutos para seus quintais.
Pouco a pouco a cidade era invadida pela vida. Suas vielas e alamedas, antes desconexas, estonteantes e sombrias, ganharam mais atalhos, interligações e muitas cores. Nas casas havia flores, animais, alegria e muita música! O medo e a angústia deram espaço à percepção de que era permitido sonhar e acreditar.  Seus moradores passaram a conviver com respeito, mesmo frente às divergências e entenderam que, apesar das dores e prazeres dos possíveis encontros e despedidas, a vida dividida sempre transcendia mais suas próprias vidas!
Às vezes aconteciam estranhas visitas que até podiam estremecer a nova ordem estabelecida, abalavam por algum tempo as novas estruturas, mas logo vinha uma nova transformação e a cidade se via cada vez mais forte e seu povo mais confiante.
Hoje em Kairós é assim: há dias frios, dias cinzentos, outros ensolarados e ainda outros chuvosos; há períodos de alegrias e períodos de tristezas; épocas de fartas colheitas e outras de profunda estiagem. E a vida, passageira como tudo, segue com a resoluta certeza da existência de tantas outas novas descobertas e possibilidades pela frente!

“Tudo tem o seu tempo determinado, e há tempo para todo o propósito debaixo do céu.
Há tempo de nascer, e tempo de morrer; tempo de plantar, e tempo de arrancar o que se plantou;
Tempo de matar, e tempo de curar; tempo de derrubar, e tempo de edificar;
Tempo de chorar, e tempo de rir; tempo de prantear, e tempo de dançar;
Tempo de espalhar pedras, e tempo de ajuntar pedras; tempo de abraçar, e tempo de afastar-se de abraçar;
Tempo de buscar, e tempo de perder; tempo de guardar, e tempo de lançar fora;
Tempo de rasgar, e tempo de coser; tempo de estar calado, e tempo de falar;
Tempo de amar, e tempo de odiar; tempo de guerra, e tempo de paz.

Eclesiastes 3:1-8


domingo, 10 de março de 2013

Foi engano?

                                                 Fotografia: Polianna Souza

O telefone tocou, rompendo a tranquilidade daquela tarde comum. Do outro lado da linha, um homem perguntava pelo senhor Xavier. Educadamente, ela explicou que deveria haver algum engano. “O senhor ligou para uma loja, não há ninguém com esse nome aqui.” Desligou e retomou seus afazeres, absorta em seus pensamentos.
Ele, porém, descobriu-se inquieto com dois problemas. O primeiro era como obter o número correto do tal Xavier e resolver todas as pendências ordenadas por seu patrão. O segundo e, mais relevante em sua opinião, era saber quem era a dona daquela voz!
Nos dias que se seguiram, só conseguia pensar na voz da moça, ou melhor, na moça da voz. Como ela seria? Que cheiro teria? De que cor seriam seus olhos e seus cabelos? Encheu-se de coragem e ligou novamente. Ligou mais uma, duas, várias vezes! E quantas foram necessárias até conseguir dobrar a mocinha de voz doce a aceitar um encontro! Quase setenta anos se passaram e ele continua apaixonado pela dona da voz! Daquele engano telefônico nasceram quatro filhos, doze netos e cinco bisnetos.
A moça da voz, hoje uma senhora de olhar distante e perdido pela Doença de Alzheimer, já não é capaz de reconhecer todos os filhos e netos e mal tomou consciência de todos os bisnetos. Já não pode mais fazer nada sozinha. No entanto, nunca se esquece dele.  
Não, ela não se lembra da ligação por engano, tampouco consegue narrar sua própria história. Mal lhe restam lembranças de quem ela é. Faltam-lhe quase todas as palavras. Todavia, ilumina-se cada vez que ouve a voz daquele que foi, e ainda é, seu grande amor, a única que ainda lhe parece familiar. Acalma-se com sua proximidade e só caminha quando amparada por suas mãos. Já não sabe aonde vai, mas se está com ele, sempre vai.
Como explicar um sentimento que sobrevive a despeito da perda de si mesmo? Seria isso o amor, algo tão maior, tão sublime e tão pleno que não pode ser esquecido? Como explicar a persistência dessa emoção mesmo quando as sinapses neuronais falham a ponto de não se reconhecer? E tanta gente por aí tentando racionalizar o amor...
Não se explica um sentimento capaz de iluminar a escuridão quase tangível do apagar da mente, que se mantém audível no silêncio angustiante do calar das palavras e que faz com que um senhor de quase noventa anos mantenha o viço necessário para cuidar, zelosamente, de seu verdadeiro grande amor.
Talvez esse enigma nunca seja desvendado, mas, quem sabe, o amor não seja isso, essa força inexplicável que transforma um fatídico engano na única certeza existente entre dois corações, ainda que suas lembranças estejam soterradas pelos escombros do passar dos anos e das recordações.


quinta-feira, 6 de dezembro de 2012

Travessia?

                                                  Fotografia: Polianna Souza

        Achava-se completamente perdida por entre vultos turvos e maltrapilhos que andavam cambaleantes por todos os lados. Buscava, exasperadamente, sair daquele lugar desconhecido, mas, por mais que procurasse, não conseguia encontrar o caminho de volta. Correu o mais rápido que suportou, mesmo cansada e quase sem forças, mas quanto mais corria mais adentrava e mais desorientada ficava. Desejava entender tudo o que lhe acontecia sem que nada fizesse sentido. Entoavam ao longe cantigas que lhe pareciam tão familiares, mas de onde as conhecia?
        Fazia tanto frio e sentia tanto medo, que não aguentaria ficar ali por nem mais um minuto. Gritou por socorro o mais alto que conseguiu, com raiva até, mas ninguém a ouviu. Haveria um modo de sair dali? Imaginava que não suportaria continuar assim tão aflita e o peito retumbava alto. Já não conseguia segurar as lágrimas que faziam tempestade em seu semblante. Lavou-se na chuva de angústias do seu coração.
        Mas o que estava havendo, afinal? Não era possível que estivesse acontecendo de verdade! Onde estaria? Por mais que pensasse, não encontrava respostas. Queria seguir, continuar, mas estava exausta, não conseguia. Resignada, deixou-se cair ao chão e ali mesmo adormeceu. Sonhou que sonhava que voava! Tão livre se sentia, que podia tocar a imensidão do azul do céu! Ufana de seu feito, considerava-se verdadeiramente feliz! Voar, ela podia voar! Zunindo como o vento pelas frestas da vida sem limites, sem dor, sem medo.



domingo, 15 de abril de 2012

Reviver e sobreviver!

Obs: mais um post da (antiga!) série cartas!!!


                                             Fotografia de Polianna Souza

Minha querida amiga,

Sei que este tem sido um período difícil. Tenho acompanhado este seu momento, embora não tão perto quanto eu gostaria. Mas por mais perto que estivesse, nunca seria o suficiente para apaziguar seu coração… Existem momentos nos quais necessitamos seguir sós, mesmo quando insistem em nos acompanhar.
Difícil lhe dizer, impossível saber… quantos amores serão necessários? Não sei… Poderia cair no senso comum e dizer qualquer bobagem... Mas eu prefiro assumir que, realmente, não sei! Também penso nisso muitas vezes, principalmente nos ensejos de solidão. Gostaria mesmo de poder ter uma resposta, mas não tenho… aliás, quem a terá?
Também não sei se é certo e sensato ou se é totalmente incerto estar inteiro em uma relação. É difícil nos aceitar em tudo, como nos mostrar completamente? Como estarmos integralmente? Como seremos absolutos? Isso pode levar muito, muito tempo ou nunca acontecer! Nem sei o quanto é, de fato, necessário ou se é justamente o contrário! Nós não vemos o lado escuro da lua e ela está lá, linda e soberana no céu! Parece-me inteira. Acho que sempre será obscuro ter certas certezas. Às vezes teremos que assumir alguns riscos.
Que promiscuidade pode haver em estar confusa no amor? Não se exija tanto! Que “atire a primeira pedra” quem nunca se desorientou nos desconexos caminhos do coração! Verdadeiros labirintos! Compreensível perder-se… e quantas vertigens nos causam… e quantas vezes nos derrubam! Mas houve ocasião na qual você deixou de se levantar? Pode até ter demorado, mas não durou uma eternidade! Por que nada é imutável, tudo muda! Até os estreitos de nossos corações!
Você, mais que ninguém, sabe o quanto sei ser difícil quebrar padrões, desfazer-se de crenças (puras ilusões!), romper raízes e trilhar um caminho próprio. É árduo, é doloroso, é solitário, mas vale cada adversidade superada! Nenhuma dor pode ser maior do que a dor de não se saber você!
A liberdade de sermos nós mesmos tem seu preço sim, mas não é tão exorbitante assim. Nós podemos pagar! Que valor teria não fosse o desafio da conquista? Você poder ser o que quiser ser! Mas não pode se esquecer de algo muito importante, antes de adentrar-se na batalha, você precisa saber: o que você quer ser? Aonde quer chegar?
Você precisa descobrir! E, de preferência, antes de assumir como seus os sonhos, planos e objetivos de uma segunda pessoa… Lembro de, certa vez, você comentar sobre a dificuldade de fazer planos a dois… Fica muito mais difícil quando desconhecemos os nossos próprios desejos, além de perpetuar certo vazio, certo silêncio interior. Agrava-se a nossa mudez!
Não acredito que exista um alguém ideal, nossa idealização do outro costuma ser o primeiro passo para o descontentamento e, conseqüentemente, para o desencontro. Ninguém vem pronto. Quando olhamos “de fora”, sempre nos parece que foi fácil, mas desconhecemos as batalhas interiores de cada um e não fazemos a menor idéia de quanto esforço foi necessário… sim, pois é necessário muito esforço para construir uma relação duradoura, muitos ajustes existiram, esteja certa disso! Não se constrói um edifício com meia dúzia de tijolos… e às vezes, são imprescindíveis reformas!!!!
Às vezes insistimos em padrões que nos são impostos, mas não são nossos, não há como mantê-los indefinidamente. Decepcionamo-nos quando assumimos quereres alheios…
Não acho que a questão entre vocês seja o fato de serem muito diferentes, mas sim a dificuldade em aceitar objetivos opostos e em compartilhar sonhos comuns. Os conflitos foram inevitáveis… Isso também cabe em mim!
Mas embora nada dure para sempre, muitas vezes pode ser forte o suficiente para se tornar eterno em nossas almas (acho que plagiei vários escritores agora!). Ainda assim, precisamos aprender a deixar o outro ir, para que nós também possamos seguir. Essa é a parte mais difícil… Ninguém ensina, ninguém explica.
Há tantas coisas em nós que não podem ser explicadas pela ciência, minha amiga. Não existem fórmulas! Os poetas talvez sejam os que mais se aproximam desses mistérios. Existem coisas que só se explicam nas entrelinhas, é preciso alma para conseguir entender… e isso, sei que você tem!

Sobreviva mais uma vez!



sábado, 14 de abril de 2012

Sobre a felicidade

Antes, uma breve explicação: escrevi este texto há cerca de dois anos, quando fazia um blog de "trocas de cartas" assinadas por pseudônimos com uma amiga muito querida... a carta é uma resposta a outras tantas que trocamos na época...

                                                         Fotografia: Polianna Souza
Querida amiga, 

Como eu esperava, estou melhor… foram somente os meus não inesperados dias de melancolia… nada estranho, quando se trata de mim!
Sentir saudades é normal, seja de pessoas, vivências, sentimentos ou pensamentos. Mas passa. Passa, volta , passa de novo, tantas vezes forem necessárias! E cada vez que volta nos dá a oportunidade de lidar com  tudo de formas totalmente diversas… não é interessante?  Aprendemos a lidar com as nossas contrariedades e frustrações, com a própria saudade inclusive, até que um dia a gente deixa de sentir… ou passa a sentir de uma forma mais suave, um quase não sentir.
Não há como negar que temos esse velho hábito de nos projetar no outro e nele depositar infinitas possibilidades (quanta responsabilidade para o outro!). Digo velho, pois, de certa forma, aprendemos a fazer isso desde muito cedo… afinal,  já nascemos fruto de um projeto alheio! E quantos não passam a vida inteira cumprindo a risca o projeto inicial, realizando sonhos e desejos que não lhe pertencem… pode ser difícil acordar desse engodo.
Às vezes fazemos isso com a nossa felicidade. Confiamos ao outro a difícil missão de nos fazer feliz. Eximimo-nos da responsabilidade. Outras vezes, até aceitamos a missão, mas criamos uma série (muitas vezes interminável) de pré-requisitos e adiamos a felicidade para um futuro que nem sabemos se chegará. Podem ser várias as imposições: formar-se, casar, ter filhos, emagrecer, comprar “aquela” casa, conseguir “aquele” emprego, aposentar-se… e por aí vai… Por que não pode ser AGORA?
Perdemos tanto tempo querendo ser o que não somos ou ter o que não temos… Na verdade, confundimos muitas vezes o que realmente precisamos com aquilo que simplesmente queremos, mas que está muito longe de ser essencial… são tantas as promessas de felicidade no mundo de hoje que nos perdemos…
Por que ter medo de ser feliz?
Acho que nunca tive esse medo. Talvez porque felicidade para mim nunca foi uma coisa mágica, indecifrável e distante, talvez porque, apesar dos pesares da vida, sempre me julguei feliz!
Felicidade, em minha opinião, é vital como respirar; necessário como beber água. É fisiológico! Difícil explicar, mas mesmo quando estou triste, chateada, descontente, aborrecida ou contrariada com qualquer coisa (amores, amigos, família, trabalho e, na maioria das vezes, comigo mesma) eu tenho a mais absoluta certeza de que continuo feliz. Não consigo conceber felicidade como algo extremamente grandioso e inacessível. Felicidade, para mim, é dia a dia, é acordar pela manhã e saber que inúmeras possibilidades me aguardam. É, por exemplo, estar aqui e agora escrevendo para você!
Não consigo ver a felicidade como um estado absoluto de graça; como ausência de problemas, de dores e perdas. Não consigo simplesmente porque isso não seria natural, a vida não é assim… não é possível estar tudo sempre como planejamos o tempo todo… não temos esse poder e esse controle.
Tudo bem se às vezes ficamos tristes, se somos atormentadas pela “madrasta do espelho” (ou tantas outras), se choramos nossas perdas, se temos medo, se sentimos saudades… É normal!
Para você, o que é felicidade?
Só por curiosidade, fui xeretar nos dicionários – como será que se define felicidade?  Pesquisei em vários, eis um breve resumo do que encontrei: “qualidade ou estado de ser feliz (?); estado de uma consciência plenamente satisfeita (??); satisfação, contentamento, bem estar, bom êxito, sucesso, boa sorte”.  Quanta subjetividade! Na minha opinião, ser feliz é tão mais simples…
Saber quem eu sou e que, se necessário, posso transformar e melhorar muitas coisas em mim me faz feliz. Poder fazer escolhas: mudar de emprego, voltar a dançar, tocar violão, caminhar no parque, nadar, cantar, ler um bom livro, aprender um novo idioma, conhecer novas pessoas e novos lugares, viajar…
Saber que nada é imutável e definitivo… Clarice Lispector dizia que o que a atormentava era que “tudo é por enquanto, nada é para sempre”… isso é o que me conforta!
Por fim, penso que felicidade vem de fé. Isso mesmo: fé, crença, confiança! Vem da nossa capacidade de acreditar na vida, nas infinitas possibilidades, nas pessoas e, acima de tudo, em nós mesmas… Colocamos obstáculos demais, duvidamos demais, não confiamos em nossos sentimentos mais íntimos, na nossa intuição.
Por mais clichê que isso possa parecer, acredito que a felicidade está exatamente onde a colocamos. Onde você anda deixando a sua?

                Beijos felizes!